segunda-feira, 30 de novembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
Sophia de Mello Breyner Andresen - Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
sábado, 28 de novembro de 2009
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Daniel Faria - O nome parece a infância
O nome parece a infância.
Quando na velhice é termos vindo
Sem pressa
Para dentro
Do nome se esvazia o corpo quando o corpo cai
É um fruto.
O nome é ainda
O modo como chamas.
O nome é a arma contra mim. O maior perigo.
Com os teus lábios podes destruir-me.
in Explicação das Árvores e de Outros Animais
Fundação Manuel Leão
2.ª edição
2002
Quando na velhice é termos vindo
Sem pressa
Para dentro
Do nome se esvazia o corpo quando o corpo cai
É um fruto.
O nome é ainda
O modo como chamas.
O nome é a arma contra mim. O maior perigo.
Com os teus lábios podes destruir-me.
in Explicação das Árvores e de Outros Animais
Fundação Manuel Leão
2.ª edição
2002
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Arthur Rimbaud - Chove, de manso, na cidade
Chora em meu coração
como chove lá fora.
Porque esta lassidão
me invade o coração?
Oh! ruído bom da chuva
no chão e nos telhados!
Para uma alma viúva,
oh! o canto da chuva!
E chora sem razão
meu coração amargo.
Algum desgosto? - Não!
É um pranto sem razão.
E essa é a maior dor,
não saber bem por que,
sem ódio sem amor,
eu sinto tanta dor.
como chove lá fora.
Porque esta lassidão
me invade o coração?
Oh! ruído bom da chuva
no chão e nos telhados!
Para uma alma viúva,
oh! o canto da chuva!
E chora sem razão
meu coração amargo.
Algum desgosto? - Não!
É um pranto sem razão.
E essa é a maior dor,
não saber bem por que,
sem ódio sem amor,
eu sinto tanta dor.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Rabindranath Tagore - A Mulher Inspiradora
Mulher, não és só obra de Deus;
os homens vão-te criando eternamente
com a formosura dos seus corações,
e os seus anseios
vestiram de glória a tua juventude.
Por ti o poeta vai tecendo
a sua imaginária tela de oiro:
o pintor dá às tuas formas,
dia após dia,
nova imortalidade.
Para te adornar, para te vestir,
para tornar-te mais preciosa,
o mar traz as suas pérolas,
a terra o seu oiro,
sua flor os jardins do Verão.
Mulher, és meio mulher,
meio sonho.
in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões
os homens vão-te criando eternamente
com a formosura dos seus corações,
e os seus anseios
vestiram de glória a tua juventude.
Por ti o poeta vai tecendo
a sua imaginária tela de oiro:
o pintor dá às tuas formas,
dia após dia,
nova imortalidade.
Para te adornar, para te vestir,
para tornar-te mais preciosa,
o mar traz as suas pérolas,
a terra o seu oiro,
sua flor os jardins do Verão.
Mulher, és meio mulher,
meio sonho.
in "O Coração da Primavera"
Tradução de Manuel Simões
domingo, 22 de novembro de 2009
sábado, 21 de novembro de 2009
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Francisco José Viegas - A noite, o que é?
Os primeiros dias são tristes, as primeiras noites, há ainda qualquer
coisa sem nome a rodear a vigília, livros amontoados, perdidos, e sons
dispersos, nenhum respira verdadeiramente. Penduradas sobre a va-
randa, as trepadeiras; o jasmim, o café, o pão, os passos às primeiras
horas do dia, as primeiras coisas vindas da janela aberta, sempre aber-
ta. Tudo o resto é aquele silêncio onde os olhos ficam mais perdidos,
aquilo de que raramente sabemos dizer o nome.
coisa sem nome a rodear a vigília, livros amontoados, perdidos, e sons
dispersos, nenhum respira verdadeiramente. Penduradas sobre a va-
randa, as trepadeiras; o jasmim, o café, o pão, os passos às primeiras
horas do dia, as primeiras coisas vindas da janela aberta, sempre aber-
ta. Tudo o resto é aquele silêncio onde os olhos ficam mais perdidos,
aquilo de que raramente sabemos dizer o nome.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Su Dong Po - Sobre a pintura de um ramo florido "Primavera Precoce", de Wang
Quem disse que a pintura deve parecer-se com a realidade?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bain Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?
Quem o disse vê com olhos de não entendimento
Quem disse que o poema deve ter um tema?
Quem o disse perde a poesia do poema
Pintura e poesia têm o mesmo fim:
Frescura límpida, arte para além da arte
Os pardais de Bain Lun piam no papel
As flores de Zhao Chang palpitam
Porém o que são ao lado destes rolos
Pensamentos-linhas, manchas-espíritos?
Quem teria pensado que um pontinho vermelho
Provocaria o desabrochar da primavera?
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
terça-feira, 17 de novembro de 2009
Al Berto - Pernoitas em Mim
pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer
pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas
é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
in 'Rumor dos Fogos'
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer
pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas
é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
in 'Rumor dos Fogos'
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
domingo, 15 de novembro de 2009
Daniel Faria - Estranho é o Sono que não te Devolve
Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
De quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
De quem já só por dentro se ilumina
E surpreende
E por fora é
Apenas peso de ser tarde. Como é
Amargo não poder guardar-te
Em chão mais próximo do coração.
in "Explicação das Árvores e de Outros Animais"
Como é estrangeiro o sossego
De quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
De quem já só por dentro se ilumina
E surpreende
E por fora é
Apenas peso de ser tarde. Como é
Amargo não poder guardar-te
Em chão mais próximo do coração.
in "Explicação das Árvores e de Outros Animais"
sábado, 14 de novembro de 2009
Al Berto
Nomeio constelações uso-as
para me guiarem no receio das noites
escavo corpos na flexibilidade das sombras
atravesso a manhã e ponho a descoberto
a casa onde a infância secou
o olhar desce aos gestos inacabados
satura-os de jovens lágrimas de resinas
e o susto da criança que fui reaviva
um pouco de alegria no coração
Vigílias
Assírio & Alvim, 2004
para me guiarem no receio das noites
escavo corpos na flexibilidade das sombras
atravesso a manhã e ponho a descoberto
a casa onde a infância secou
o olhar desce aos gestos inacabados
satura-os de jovens lágrimas de resinas
e o susto da criança que fui reaviva
um pouco de alegria no coração
Vigílias
Assírio & Alvim, 2004
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Sophia de Mello Breyner - A Forma Justa
Sei que seria possível construir o mundo justo
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
in "O Nome das Coisas"
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
in "O Nome das Coisas"
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Joan Fontcuberta - Herbarium (1985)
Nesta série, Fontcuberta, de acordo com os cânones tradicionais de representação dos catálogos de botânica, faz um registo detalhado de um número de plantas que não existem… Na verdade, os exemplares que nos mostra, alguns com nomes pseudo- científicos tão audazes como rasputina ecléctica, lavandula angustifolia, braohypoda frustata, erectus pseudospinosus o cornus impatiens, são na realidade modelos desenvolvidos principalmente com materiais de desperdício. Essa farsa é dificilmente descoberta pelo espectador, pelo menos à primeira vista, para a qual contribuem não só a perfeição dos modelos falsos, mas, principalmente, o estilo da imagem, que evoca claramente a própria objectividade científica das imagens do livros de botânica, objectividade com base na apresentação dos motivos de maneira frontal, sem distorção, com um fundo neutro e iluminação difusa que permite a valorização do detalhe e textura de toda a superfície da planta. Então, ao conduzir o espectador nesse código de reconhecimento científico, fá-lo cair na armadilha e vergonha de ter de aceitar que não interpretou as imagens com base no que viu, mas no que sabe, com base nas crença ingénua de que a fotografia não pode mentir.
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Francisco José Viegas
Desenha, sobre um mapa onde as ilhas possam flutuar
e as brancas penínsulas se abandonem as aves,
a incerteza do maior amor ou a tranquila
oscilação dos barcos nas enseadas onde o Inverno
pode adormecer. Na solidão, na noite, não demores
o tempo entre os anéis, os dedos toca sempre
esses despojos de antigas navegações.
Por isso, nas horas mais tranquilas, entre falésias,
dedico-me a essa ocupação de recolher o que as marés
trazem as praias, como se fosse ao coração.
e as brancas penínsulas se abandonem as aves,
a incerteza do maior amor ou a tranquila
oscilação dos barcos nas enseadas onde o Inverno
pode adormecer. Na solidão, na noite, não demores
o tempo entre os anéis, os dedos toca sempre
esses despojos de antigas navegações.
Por isso, nas horas mais tranquilas, entre falésias,
dedico-me a essa ocupação de recolher o que as marés
trazem as praias, como se fosse ao coração.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Nuno Júdice - CHUVA
Chove como sempre. E,
como sempre que chove,
as pessoas abrigam-se
(as que não estavam à
espera que chovesse);
ou abrem, simplesmente,
o chapéu-de-chuva – de
preferência com fecho
automático. Porque, quando
chove, todos temos de
fazer alguma coisa: até
nós, que estamos dentro
de casa. Vão, uns, até
à janela, comentando:
‹‹Que Inverno!››; sentam-se,
outros, com um papel
à frente: e escrevem
um poema, como este.
como sempre que chove,
as pessoas abrigam-se
(as que não estavam à
espera que chovesse);
ou abrem, simplesmente,
o chapéu-de-chuva – de
preferência com fecho
automático. Porque, quando
chove, todos temos de
fazer alguma coisa: até
nós, que estamos dentro
de casa. Vão, uns, até
à janela, comentando:
‹‹Que Inverno!››; sentam-se,
outros, com um papel
à frente: e escrevem
um poema, como este.
domingo, 8 de novembro de 2009
Cecília Meireles - Apresentação
Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
in 'Retrato Natural'
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
in 'Retrato Natural'
sábado, 7 de novembro de 2009
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
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