segunda-feira, 31 de maio de 2010
domingo, 30 de maio de 2010
sábado, 29 de maio de 2010
Hilda Hilst - Dez chamamentos ao amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
sexta-feira, 28 de maio de 2010
quinta-feira, 27 de maio de 2010
Cecília Meireles - Humildade
Tanto que fazer!
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis…
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuva,
e os mortos em redoma de cânfora.
(E uma canção tão bela!)
Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem para quê.
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis…
até o fim do mundo assinando papéis.
E os pássaros detrás de grades de chuva,
e os mortos em redoma de cânfora.
(E uma canção tão bela!)
Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem para quê.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
terça-feira, 25 de maio de 2010
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Javier Salvago - Convém não esquecer
Por este atalho,
a que chamam vida, todos
vamos às apalpadelas
tal como um cego.
Em cinza terminam
todos os fogos.
a que chamam vida, todos
vamos às apalpadelas
tal como um cego.
Em cinza terminam
todos os fogos.
domingo, 23 de maio de 2010
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Pedro Mexia - As gavetas
Não deves abrir as gavetas
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
quarta-feira, 19 de maio de 2010
terça-feira, 18 de maio de 2010
Casimiro de Brito
Saltei os cinquenta e acabo de entrar
Na via do mestre onde não há via nem
Glória para além do pé que pisa
As águas que passam. E vou com elas
Assim leve nos acasos desta viagem
Sem retorno. Abandonei entre as ervas
Os livros de ouro e as moedas
De prata — o palácio do ser enfim desviado
Das grandes estradas. O brilho das estrelas
Lembra-me que houve uma infância
Indecifrada. Tanto melhor. Saltei os anos —
Libertei-me da casca pouco a pouco
Acumulada. Que mais desejar? Praias
Desertas? Beber com a lua? Ouço a doce
Respiração amada; divido com ela
O belo capital que me resta: estas mãos
Vazias; velas de um corpo que desliza
Entre as folhas do outono caídas no chão.
Na via do mestre onde não há via nem
Glória para além do pé que pisa
As águas que passam. E vou com elas
Assim leve nos acasos desta viagem
Sem retorno. Abandonei entre as ervas
Os livros de ouro e as moedas
De prata — o palácio do ser enfim desviado
Das grandes estradas. O brilho das estrelas
Lembra-me que houve uma infância
Indecifrada. Tanto melhor. Saltei os anos —
Libertei-me da casca pouco a pouco
Acumulada. Que mais desejar? Praias
Desertas? Beber com a lua? Ouço a doce
Respiração amada; divido com ela
O belo capital que me resta: estas mãos
Vazias; velas de um corpo que desliza
Entre as folhas do outono caídas no chão.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
domingo, 16 de maio de 2010
sábado, 15 de maio de 2010
sexta-feira, 14 de maio de 2010
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Kahlil Gibran - Caminho eternamente sobre estas margens
Caminho eternamente sobre estas margens,
entre a areia e a espuma.
O fluxo do mar apagará a impressão dos meus passos,
e o vento levará a espuma.
Mas o mar e a margem permanecerão
eternamente.
entre a areia e a espuma.
O fluxo do mar apagará a impressão dos meus passos,
e o vento levará a espuma.
Mas o mar e a margem permanecerão
eternamente.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
José Agudo - Talvez um dia de novo
Talvez um dia de novo,
quando os anos e o inverno
corroerem os meus móveis, as minhas recordações,
o meu corpo e o meu passado,
e a minha memória se esqueça de mim mesmo,
e nada fique de mim,
e já nada me reconheça,
me recorde de ti
- jovem pirata de barcos de papel,
pequeno sonhador -
e do reino distante da minha infância.
quando os anos e o inverno
corroerem os meus móveis, as minhas recordações,
o meu corpo e o meu passado,
e a minha memória se esqueça de mim mesmo,
e nada fique de mim,
e já nada me reconheça,
me recorde de ti
- jovem pirata de barcos de papel,
pequeno sonhador -
e do reino distante da minha infância.
terça-feira, 11 de maio de 2010
segunda-feira, 10 de maio de 2010
domingo, 9 de maio de 2010
Victor Matos e Sá - É preciso que saibam
É preciso que saibam: este rosto
não está à venda. Há quarenta
e cinco anos que o trago apenas
para dar e receber o espanto
do amor e do tempo, do eco e da rosa
e a violenta companhia
insubstituível do mundo.
Os amigos mortos e sepultados
sob este sorriso, também não estão
à venda – é com eles que entro
na força dos versos em que falo
de nós todos. Estes olhos
já leram Platão (entre outros)
já viram chegar a noite
nas grandes cidades, corpos proibidos
homens e mulheres sem paixão
moribundos face a face com o absurdo
de um tempo já maior de quanto há neles
e casais cumpridores que não gastaram nunca
um tostão de amor a mais.
Já todos dormimos em má companhia
(mesmo se nos limitamos a dormir
inteiramente sós – e até por isso)
Meus prósperos e
devotos irmãos atarefados, deixai-me
em paz. Ou então dêem-me um pouco
de tabaco ou mandem-me
de férias um postal (mesmo
que morra). Um póstumo
postal. E sem remorso.
Já que não se morre apenas
de falta de correspondência...
não está à venda. Há quarenta
e cinco anos que o trago apenas
para dar e receber o espanto
do amor e do tempo, do eco e da rosa
e a violenta companhia
insubstituível do mundo.
Os amigos mortos e sepultados
sob este sorriso, também não estão
à venda – é com eles que entro
na força dos versos em que falo
de nós todos. Estes olhos
já leram Platão (entre outros)
já viram chegar a noite
nas grandes cidades, corpos proibidos
homens e mulheres sem paixão
moribundos face a face com o absurdo
de um tempo já maior de quanto há neles
e casais cumpridores que não gastaram nunca
um tostão de amor a mais.
Já todos dormimos em má companhia
(mesmo se nos limitamos a dormir
inteiramente sós – e até por isso)
Meus prósperos e
devotos irmãos atarefados, deixai-me
em paz. Ou então dêem-me um pouco
de tabaco ou mandem-me
de férias um postal (mesmo
que morra). Um póstumo
postal. E sem remorso.
Já que não se morre apenas
de falta de correspondência...
sábado, 8 de maio de 2010
sexta-feira, 7 de maio de 2010
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Olav H. Hange - Na hora da verdade
Ano após ano estiveste debruçado sobre os livros,
acumulaste em ti mais conhecimentos
do que os que necessitarias para nove dias.
Na hora da verdade
é preciso muito pouco, e esse muito pouco
conhece-o o coração desde sempre.
No Egipto o deus da sabedoria
tinha cabeça de macaco.
acumulaste em ti mais conhecimentos
do que os que necessitarias para nove dias.
Na hora da verdade
é preciso muito pouco, e esse muito pouco
conhece-o o coração desde sempre.
No Egipto o deus da sabedoria
tinha cabeça de macaco.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
terça-feira, 4 de maio de 2010
WALLACE STEVENS - SEIS PAISAGENS SIGNIFICATIVAS I
Um velho está sentado
À sombra de um pinheiro
Na China.
Vê esporas,
Azuis e brancas,
Na orla da sombra,
Moverem-se ao vento.
A sua barba move-se ao vento.
O pinheiro move-se ao vento.
Assim flui a água
Sobre as algas.
À sombra de um pinheiro
Na China.
Vê esporas,
Azuis e brancas,
Na orla da sombra,
Moverem-se ao vento.
A sua barba move-se ao vento.
O pinheiro move-se ao vento.
Assim flui a água
Sobre as algas.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
domingo, 2 de maio de 2010
Adam Zagajewski - Espelho auto-reflector
No retrovisor vi subitamente
a mole imensa da Catedral de Beauvais;
grandes coisas habitando nas pequenas
por um instante.
a mole imensa da Catedral de Beauvais;
grandes coisas habitando nas pequenas
por um instante.
sábado, 1 de maio de 2010
Javier Salvago - Último retrato da juventude
Faz quase três anos que não escrevo
poemas, abandono-me, apenas leio;
não me cultivo nem me informo. Sinto
dentro de mim uma espécie de vazio
que avança - e não me assusta - como um rio
de lava; ou melhor, como um deserto
que vai ganhando mais e mais terreno
ao calcinado bosque, ontem tão vivo.
Sonho pouco. Desejo o necessário.
Não tenho nada, e nada de extraordinário
espero doravante. Não disfruto
do prazer de viver. Observo a vida
com reserva e distância. Cada dia
me consentem os anos menos fantasias.
poemas, abandono-me, apenas leio;
não me cultivo nem me informo. Sinto
dentro de mim uma espécie de vazio
que avança - e não me assusta - como um rio
de lava; ou melhor, como um deserto
que vai ganhando mais e mais terreno
ao calcinado bosque, ontem tão vivo.
Sonho pouco. Desejo o necessário.
Não tenho nada, e nada de extraordinário
espero doravante. Não disfruto
do prazer de viver. Observo a vida
com reserva e distância. Cada dia
me consentem os anos menos fantasias.
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