sábado, 5 de dezembro de 2009

A vida não me ensinou nada - António Ramos Rosa

“… Um dia fui expulso do restaurante aonde ia habitualmente. Almoçava lá com a Agripina. Nesse dia, ela e a minha filha já tinham saído quando cheguei, porque eu tinha dito que não ia. Depois arrependi-me e fui à procura delas. Quando ia a entrar, uma empregada não me deixou entrar. Perguntei porquê. Naquela altura eu andava doente. Estava com um ar vacilante. Ela julgou que eu era um bêbedo ou um toxicodependente. Nunca me explicou porque é que não podia entrar. Tive de sair e vim falar com a senhora da tasquinha na esquina da minha casa. Sentgi uma emoção por ter sido expulso, e comecei a chorar. Isto é uma coisa diferente, mas já algumas pessoas me tinham dado esmolas no Campo Pequeno ou no jardim do chamado Bairro Social. Recebi uma esmola de uma senhora e não percebi como. Quando percebi que ela me estava a dar essa esmola, nem entendi. Era uma esmola, enfim, aceitei. Isso não me impressionou de modo nenhum. Achei que não era uma coisa ofensiva e compreendi que a minha figura podia proporcionar isso. Não me ofendeu, de modo nenhum. Muitas vezes ia ao Campo Pequeno. Uma vez fui lá para me sentar ou para passear. Estava cheio de gente a conversar ou a ler os jornais. Fui para um recanto mais pequeno, onde não estava ninguém. Eu gostava muito de estar a olhar para uma árvore e não estar a pensar. Não lia o jornal, nem nada. Sentei-me no banco e estava com a mão em cima da travessa superior, com as costas da mão para cima. Não sei se isso tem algum significado. A certa altura um pardal veio pousar uns centímetros adiante da minha mão. Eu pensei como seria interessante se o pobre pardal pousasse em cima da minha mão. E o pardal realmente, daí a uns segundos, deu um salto para a minha mão. Continuei imóvel. O pardal não ficou por aí. Começou a subir-me pelo braço esquerdo, depois pousou no ombro um bocadinho, deu a volta às minhas costas, e pousou no lado direito. Mas também não ficou por aí. Deu um salto para a minha cabeça e começou a debicar na minha cabeça. Aí está um acontecimento inexplicável, em que há um pardal que vem ter comigo e eu senti-me assim relacionado com o Universo de uma maneira que não aconteceria a conversar com qualquer pessoa ou a ler o jornal. É uma coisa insignificante ou insignificável.

A vida não me ensinou nada.”

DEPOIMENTO DE ANTÓNIO RAMOS ROSA EXTRAÍDO DO LIVRO “O QUE A VIDA ME ENSINOU” DE VALDEMAR CRUZ, EDITADO POR TEMAS E DEBATES, MARÇO DE 2007.