quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Sophia Andresen : O poema
O poema me levará no tempo |
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Friedrich Nietzsche - Ecce Homo
Insatisfeito com a labareda
Ardo para me consumir.
Aquilo em que toco torna-se luz,
Carvão aquilo que abandono:
Sou certamente labareda.
Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Al Berto - E ao anoitecer
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
domingo, 27 de setembro de 2009
Fiama Hasse Pais Brandão - Às vezes as coisas dentro de nós
O que nos chama para dentro de nós mesmos
é uma vaga de luz, um pavio, uma sombra incerta.
Qualquer coisa que nos muda a escala do olhar
e nos torna piedosos, como quem já tem fé.
Nós que tivemos a vagarosa alegria repartida
pelo movimento, pela forma, pelo nome,
voltamos ao zero irradiante, ao ver
o que foi grande, o que foi pequeno, aliás
o que não tem tamanho, mas está agora
engrandecido dentro do novo olhar.
Para Maria de Lourdes Pintasilgo
em breve homenagem
sábado, 26 de setembro de 2009
António Ramos Rosa
O que eu não posso dizer ou ver é o que eu digo,
é o que eu vejo, a transparência.
(de "Dinâmica subtil")
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
José Eduardo Agualusa - O homem que vinha ao entardecer
palavras. Falava com cuidado,
houvesse lume entre as palavras.
Chegava ao entardecer, os sapatos
cheios de terra vermelha e do perfume
dos matos.
Cumpria rigorosamente os rituais.
Batia primeiro as palmas (junto
ao peito)
Depois falava.
Dos bois, das lavras, das coisas
simples do seu dia-a-dia. E todavia
era tal o mistério das tardes quando
assim falava
que doía.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Craveirinha - Um Homem Nunca Chora
do homem que nunca chora.
Eu julgava-me um homem.
Na adolescência
meus filmes de aventuras
punham-me muito longe de ser cobarde
na arrogante criancice do herói de ferro.
Agora tremo.
E agora choro.
Como um homem treme.
Como chora um homem!
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Albano Martins - Pintura
leia-se narciso.
Ou leia-se jacinto.
Ou leia-se outra flor.
Que pode ser a mesma.
As flores
são formas
de que a pintura se serve
para disfarçar
a natureza. Por isso
é que
no perfil
duma flor
está também pintado
o seu perfume.
terça-feira, 22 de setembro de 2009
ANTÓNIO MACHADO
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
Kaváfis - Quanto puderes
isto ao menos tenta
quanto puderes: não a desbarates
nos muitos contactos do mundo,
na agitação e nas conversas.
Não a desbarates arrastando‑a,
e mudando‑a e expondo‑a
ao quotidiano absurdo
das relações e das companhias
até se tornar um estranho importuno.
domingo, 20 de setembro de 2009
Kaváfis - Segredos
não procurem descobrir quem fui.
Havia uma barreira que transformava
minhas ações e meu modo de vida.
Havia uma barreira que me parava
nas muitas vezes em que ia contar.
Das minhas ações mais insignificantes
e meus escritos mais velados –
só de lá me sentirão.
Mas quiçá não valha à pena gastar
tanto cuidado e tanto esforço para me conhecerem.
No futuro – numa sociedade mais perfeita –
algum outro talhado como eu
decerto aparecerá e livremente fará.
(Kaváfis, 2006, 19)
sábado, 19 de setembro de 2009
Sobre Pedro Saraiva
Pela primeira vez digito um texto no meu blog pois pretendia que apenas funcionasse como um caderno de colagens das coisas que gosto.
Abro apenas uma excepção por um acto de amizade ao Pedro e a sua família.
Conheci o Pedro quando ingressamos os dois nas Belas Artes de Lisboa e por um acaso daqueles felizes fui viver para o Algueirão para casa de meus tios onde o Pedro vivia com os pais. Estamos em 1969, tempo em que os jovens acreditavam na partilha, na entreajuda e na discussão livre das ideias.
Rapidamente, caso raro em mim, ficámos amigos e comecei a ser recebido na casa de seus pais com enorme amizade e consideração. Vindo de um ambiente provinciano foi privilégio ter acesso ao atelier de seu pai mestre Domingos Saraiva que tanto me ensinou, muito mais do que nas Belas Artes de então. Mestre Domingos Saraiva faz este ano o seu centenário, digo faz porque acredito que as pessoas só morrem quando nos esquecemos delas e eu não me esqueço dele – sempre o encarei como um exemplo, principalmente na sua imensa alegria de viver – muito mais jovem do que eu com 18 anos na altura.
Muitas vezes trabalhamos lado a lado trocando ideias ao ponto de Mestre Domingos Saraiva nos ter chamado a atenção que as coisas que fazíamos estavam a ficar muito parecidas. Coisa que ainda hoje acredito não seria bem assim porque ao contrário do Pedro sempre os meus trabalhos exigiam bem mais esforço porque me faltavam os conhecimentos que ele já tinha obtido do pai e tenho menos habilidade manual.
Mas desse tempo também na verdade, apesar destes anos passados, ainda existem vestígios nos dois ao nível das cores que utilizamos.
Assim é-me impossível ter distanciamento para analisar o percurso de Pedro Saraiva…apenas posso afirmar que é uma das pessoas mais dotadas para as Artes Plásticas que encontrei e que será certamente um exemplo para os seus alunos da nossa antiga escola (hoje Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa) onde é hoje professor.
Para terminar não foi por acaso que o meu filho se chama Pedro,
JC
Salteiro - sobre Pedro Saraiva
Neste momento, e em presença de mais uma deslumbrante exposição de Pedro Saraiva intitulada Gabinete > Codina só sou capaz de manifestar o meu enorme respeito por toda a sua obra e pela coerência de todo o seu processo criativo.
Discreto e simples, mas eficaz na técnica e na comunicação.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
R.G. - Manifesto Surreal
Que desejas amor,
Deixa-te beijar
Pela abelha melosa…
Pela borboleta graciosa…
Pela ave beija-flor…
Pelo vento sonhador…
Ou até pelo morcego assustador!
Deixa o teu pólen viajar,
Solta o néctar divinal!
Queremos tua essência fatal,
A fusão do animal com o vegetal,
O sangue e a seiva misturar.
Queremos reinos amalgamados.
Vamos ainda seduzir o mineral…
Talvez o brilhante diamante…
Certamente um excelente amante.
Queremos beijos encarnados,
Polinizados, fossilizados!
Flor que tens estigma,
Deixa-nos desvendar teu enigma…
Queremos recriar a vida,
Uma Natureza sobrenatural!
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Rainer Maria Rilke - SOLIDÃO
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã,
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios...
Arthur Rimbaud
Fixava vertigens.
Criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas.
Tentei inventar novas flores, novos astros, novas carnes, novos idiomas.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
Pablo Neruda - Poema Sê
Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser uma ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.
Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.